quinta-feira, 30 de outubro de 2014

POLITICANDO

Grandes batalhas virão


     Acabou-se o tempo dos consensos, inaugurados em 2002 com o Lulinha Paz e Amor, que queria agradar a todo mundo.
     Quem lida com gente sabe que conciliação é uma estratégia limitada  e passar a mão na cabeça, tentando levar as coisas na base da simpatia, pode dar certo por algum tempo mas as contradições ocultas um dia surgem e tem de ser enfrentadas.
     Este parece ser o tempo que vai começando no Brasil. Por algum tempo a direita ficou adormecida, esperançosa de que os governos de Lula e Dilma fracassassem permitindo que eles voltassem ao poder para restabelecer os privilégios das velhas oligarquias, com 500 anos de domínio absoluto. Mas a dificuldade que enfrentaram nessa eleição, apesar de todas as baixarias que usaram, com destaque para a revista Veja, líder absoluta do jornalismo mais sujo e desonesto da história, fizeram acender a luz vermelha no QG do grande capital.
     Do lado da esquerda, porém, parece que nem todos aprenderam a lição. Lula já está falando em voltar à presidência em 2018, como se o país de hoje (ou de amanhã) fosse o mesmo da virada do século. Não é. Mudamos e avançamos muito em alguns aspectos e em outros estamos parados, à espera do surgimento de lideranças capazes de lidar com as situações novas. 
     O fato é que ninguém aguenta mais essa política que aí está. Nem o PT, nem o PSDB, muito menos o DEM, representam mais nada além de seus próprios interesses. O velho PMDB há muito tempo deixou de ser um partido e virou um aglomerado de grupos de interesses, os mais diversos, que se mantém pela sua postura de ficar em cima do muro e sempre no governo, não importa se eles mudam.


     Talvez por isto Dilma tenha conseguido se reeleger, por ela não representar propriamente o PT, já que seu governo tem um perfil mais tecnocrático e que, apesar de tudo, vem conseguindo conquistas importantes.
     Agora que as diferenças estão expostas chegou a hora de enfrentá-las e decidir que rumo o país vai tomar. Se vai voltar ao comando das oligarquias e do capital internacional ou avançar em direção a uma sociedade nova, uma espécie de socialismo do século XXI que, com certeza, não será aquele anunciado por Hugo Chavez misturando populismo com incompetência gerencial. O Brasil é melhor do que isso.
     O novo deve ser o aprofundamento da democracia, com participação cada vez maior de população que não se contenta mais em delegar poderes de 4 em 4 anos, mas quer participar o tempo todo. Deve ser também uma economia que dê espaço aos pequenos empreendedores e mantenha o Estado como fiador do bem estar geral, através dos serviços públicos, rompendo com os gargalos que impedem a educação, a saúde e os transportes de funcionar bem, o que significa enfrentar interesses corporativos e empresariais poderosos.
     A educação deve ser a base da inovação tecnológica e, para isso, precisa passar por uma verdadeira revolução tirando-a do controle de empresas particulares, Estados e Municípios e colocando-a sob controle direto do governo federal, embora abrindo sua gestão para as próprias comunidades, através de conselhos escolares unificados, que elejam suas prioridades, seus diretores e definam seu currículo, seguindo os parâmetros nacionais definidos pelo MEC.


     Descentralizar não é municipalizar. São coisas diferentes. Hoje a educação básica está entregue à incompetência municipal, que centraliza sua gestão colocando-a à serviço das forças mais atrasadas da nação, os grandes proprietários de terra do interior que nunca quiseram educar o povo.
     A saúde também precisa ser federalizada, acabando com essa utopia falida que é o SUS, que ignora a realidade do sistema político nacional e acredita que os conselhos de saúde farão uma gestão independente do sistema, como se a política não influenciasse esses conselhos, controlados também pelos prefeitos que negociam entre si os serviços que geram mais renda aos municípios.
     Essa utopia de conselhos populares está pra lá de falida em todos os aspectos. Precisamos de gestão federal e descentralização nas unidades de saúde e educação, passando ao largo da política municipal. 


     Quanto ao sistema eleitoral e partidário, as soluções estão postas sobre a mesa há décadas, mas os interesses corporativos do Congresso Nacional impedem que a reforma seja feita. São eles; o voto distrital, o fim das coligações e a eleição dos mais votados individualmente, permitindo que pequenos setores isolados da população sejam representados. É preciso também facilitar o processo de derrubada de representantes populares que não estejam exercendo bem os seus cargos, sejam eles legislativos ou executivos.
     Por isso precisamos de uma Constituinte exclusiva, eleita com a finalidade única e provisória de reformar a Constituição de 1988, feita por deputados e senadores, que impediram a derrubada de seus próprios privilégios.
     É claro que a direita e os atuais partidos não querem nem ouvir falar nisso, pois não terão garantia de controle sobre seus resultados. Preferem eles mesmos fazer os remendos na Constituição e chamar o povo apenas para dizer sim ou não em um referendo.
     Os próprios partidos da coligação governista querem limitar a Constituinte à reforma política, deixando intocados os interesses que impedem uma reforma na educação, na saúde, nos transportes e também uma reforma urbana. 


     Mas de nada adiantará entregar essas reformas ao Congresso, que tenderá a reconstruir os velhos conchavos para garantir privilégios. É preciso passar ao largo deles e deixar a verdadeira fonte do poder democrático, o povo, falar por si.
     Como a ideia da Constituinte exclusiva e soberana partiu da presidente Dilma (sendo logo rechaçada pela classe política e pelos juristas à seu serviço), há uma esperança que ela assuma essa batalha, mesmo contra as lideranças do seu atual partido. 


     No campo internacional o Brasil vem seguindo um rumo novo que precisa ser aprofundado, fortalecendo sua relação com a América Latina e com as grandes nações emergentes do mundo, Rússia, China, Índia e África do Sul, através dos BRICS. Com isso nos afastamos do velho e decadente domínio das nações imperialistas, Estados Unidos, Europa e Japão, cuja hegemonia vem decaindo rapidamente, abrindo uma estrada segura para o futuro.
     Nada disso virá sem muita luta. Essa guerra já foi deflagrada pela direita, falta apenas a esquerda entender que, se não mudar, perecerá já na próxima eleição.
    
     
    

PAPO DE ARQUIBANCADA

José Trajano


preconceito disseminado nas eleições e recebem meus parabéns pela postura

       Após as manifestações preconceituosas de alguns jornalistas e atletas em relação ao nordeste do país e ao resultado das eleições, Hulk, jogador do Zenit, e Ana Moser, ex-jogadora de vôlei, se manifestaram em suas redes sociais rebatendo tais declarações. Por essa atitude, eles recebem meus parabéns.




CLIPE DA SEMANA

O clipe desta semana é da canção POIS É, PRA QUE ?, composta e interpretada por Sidney Miller. Curtam ! 


Sidney Miller



DESTAQUE

Nada como viajar

     Pois é, dizem que as viagens ilustram e neste aspecto não posso me queixar dessa vida, pois tenho viajado muito. Aliás, não me queixo da vida em nenhum outro aspecto, pois me considero um homem afortunado, pelos filhos e filhas, netas e neto que a vida me deu. Gozo de boa saúde e na idade em que estou continuo ativo e produtivo e, ainda por cima, reencontrei o amor.
     Mas numa dessas viagens fui parar num lugar realmente especial; a cidade de Faz de Contas.
     Interessante esta cidade onde tudo parece ser o que não é.
     Soube pelos antigos moradores, que durante muitos anos o município foi governado por um velho caudilho, conhecido como Coronel Pedra. Ele mandava em tudo, bem autoritariamente, mas a seu jeito cuidava da cidade e das pessoas, embora não perdoasse os inimigos.
     Como todo ditador (embora seu reino fosse minúsculo), vivia rodeado de puxa-sacos, que faziam de conta que o amavam e idolatravam (salve, salve), embora à boca pequena odiassem ter de submeter-se à autoridade do velho.
     Dentre eles havia um que sobressaía. Na verdade não era um homem, mas um cão, que vivia aos seus pés, lambendo-os, tentando agradá-lo de todas as maneiras em troca de migalhas, que o Coronel Pedra lhe atirava quando lhe convinha.
     Quando precisava que o animal demonstrasse sua fidelidade canina, o Coronel Pedra fazia de conta que o amava, lhe fazendo festas e permitindo que ele também fizesse algumas festas, mas mantendo-o sempre firme na sua coleira, submisso a seus pés.
     Assim muitos anos se passaram, com a cidade dominada pelo caudilho e um misto de amor e ódio ligando-o aos habitantes, que apesar de tudo viviam razoavelmente bem, desde que se rendessem ao seu domínio.
     Como um bom coronel das antigas, Pedra era um homem conservador, ligado aos herdeiros da ditadura militar que governaram a Bahia por décadas, sempre acompanhado por seu cão lambe-botas, que ao farejar qualquer oposicionista logo começava a latir, denunciando-o, para que seu dono se apressasse a incluí-lo na sua lista de perseguidos políticos.
     Muitos anos se passaram, sempre do mesmo jeito. A cidade que era tombada pelo Patrimônio Histórico, fingia ser conservada, pois uma outra ajudante do coronel controlava o escritório local do IPHAN, mesmo que não tivesse nenhum conhecimento técnico, espantando os poucos arquitetos que se aventuravam a trabalhar naquelas lonjuras, e permitindo que seus amigos e os do Coronel, demolissem todas as construções antigas, mantendo apenas as fachadas.
     Claro que os adversários do Coronel eram obrigados a seguir rigidamente as normas do patrimônio, sendo estritamente vigiados e fiscalizados, dentro do melhor espírito burocrático.


     A cidade também fingia ser um paraíso ecológico, encravada que era no meio de lindas montanhas, embora a prefeitura escondesse um imenso lixão à céu aberto em local distante dos olhos dos turistas e estimulasse por meio de sua Secretaria de Agricultura, o uso de agrotóxicos nas plantações dos pobres lavradores que viviam de suas lavouras, afinal os fabricantes desses venenos pagavam muito bem pela cumplicidade dos funcionários públicos.
     Assim tudo parecia no melhor dos mundos aos olhos dos visitantes, enquanto uma pequena elite, que se intitulava "O grupo", dominava os parcos recursos da prefeitura, sempre em proveito próprio, espantando qualquer aventureiro que ousasse protestar, sob o argumento de que eles eram de fora e não podiam se manifestar.
     Democracia e direito de ir e vir eram conceitos muito distantes daquela comunidade, que vivia mergulhada no atraso e na submissão, fazendo de conta que era feliz.
     Na cidade havia também muitos gays, mas todos casados com pessoas do sexo oposto, fazendo de conta que eram héteros, afinal era preciso preservar as aparências da moral e dos bons costumes.
     Mas como tudo muda neste mundo, chegou um tempo em que um desafiante conseguiu vencer o velho Coronel nas eleições. Era um jovem taciturno, cujas ideias ninguém conhecia direito, e que tendo experimentado o gosto ruim de ser oposição num Estado dominado por coronéis, conseguiu dividir o velho "grupo" local e vencer Pedra.
     De início muita gente se encheu de esperança, achando que o jovem seria o início de uma verdadeira mudança, mas logo perceberam que tudo não passava de novo faz de contas, na medida em que o velho cão que vivia preso aos pés do antigo coronel se passou para o lado do novo Prefeito, tornando-se muito mais agressivo, pois este, ao contrário de Pedra, não o mantinha na coleira, mas soltou-o para que ele acuasse e perseguisse qualquer um que ousasse desafiar a nova liderança.


     O novo prefeito era o Dr. Patifarias que, apesar de jovem, logo assumiu as rédeas do poder com os mesmos métodos do antigo coronel, com a diferença de que, não tendo talento para dialogar com o povo e negociar benefícios em troca de apoio, passou à perseguição pura e simples de todos que não aceitassem seu domínio, desviando todos os recursos da prefeitura para si e para o seu reduzido grupo, que logo passou a debochar do povo.
     Então os membros do "grupo" passaram a circular todos em reluzentes automóveis zero km, cujas prestações eram pagas pela prefeitura como se fossem aluguéis de veículos, que ficavam à disposição dos próprios donos, numa manobra que nunca era investigada pela justiça, pois Dr. Patifarias e seu cachorro solto, tinham muitos amigos por lá, que faziam de conta que tudo era normal.
     Logo Dr. Patifarias tratou de fazer seu pé de meia, comprando restaurantes em São Paulo, enquanto não apenas pagava a fidelidade de seu cão com festas, mas permitia que ele também fizesse suas festas, para alegria de todo o grupo.
     Assim, até hoje ainda Dr. Patifarias e seu cachorro solto dominam a pequena cidade de Faz de Contas. Enquanto o jovem prefeito vive viajando e nada fez até hoje pela sua terra, seu cachorro solto cuida de que as coisas se mantenham no lugar, farejando tudo, vigiando a todos e mostrando os dentes ao primeiro sinal de rebeldia.
     Ultimamente até resolveram se bandear para os lados do partido que representa os trabalhadores, fazendo de conta que são de esquerda para se aproximarem dos novos governantes do Estado e garantir seu apoio nas próximas eleições, afinal a velha política do Coronel Pedra está morta e enterrada.
     E assim a vida segue nesse estranho lugar, onde tudo parece ser o que não é. Mas como as viagens ilustram, pessoas viajadas como eu conseguem enxergar além das aparências mal disfarçadas e ver que por trás do faz de contas existe muita coisa errada.

POESIA DA SEMANA


Arthur Rimbaud




Canção da Torre Mais Alta

Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamoram.

Eu disse a mim: cessa,
Que eu não te veja:
Nenhuma promessa
De rara beleza.
E vá sem martírio
Ao doce exílio.

Foi tão longa a espera
Que eu não olvido.
O terror, fera,
Aos céus dedico.
E uma sede estranha
Corrói-me as entranhas.

Assim os Prados
Vastos, floridos
De mirra e nardo
Vão esquecidos
Na viagem tosca
De cem feias moscas.

Ah! A viuvagem
Sem quem as ame
Só têm a imagem
Da Notre-Dame!
Será a prece pia
À Virgem Maria?

Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamora!





      Jean-Nicolas Arthur Rimbaud foi um poeta francês. Produziu suas obras mais famosas quando ainda era adolescente sendo descrito por Paul James, à época, como "um jovem Shakespeare". Aos 20 anos já havia escrito 20 livros de poesia.