segunda-feira, 29 de abril de 2013

POESIA DA SEMANA

     Prezados leitores, aproveitando a semana em que se comemora a Inconfidência Mineira, primeiro movimento pela independência do nosso Brasil, trazemos aqui o poema inicial da fantástica obra de Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência, onde ela visita o cenário desses acontecimentos tão importantes, transformando suas observações em poesia. Um trabalho feito de pura emoção, que todo brasileiro deveria ler.

Fala inicial

 
Não posso mover meus passos
por esse atroz labirinto
de esquecimento e cegueira
em que amores e ódios vão:
_Pois sinto bater os sinos,
percebo o roçar das rezas,
vejo o arrepio da morte,
à voz da condenação;
_avisto a negra masmorra
e a sombra do carcereiro
que transita sobre angústias,
com chaves no coração;
_descubro as altas madeiras
do excessivo cadafalso
e, por muros e janelas,
o pasmo da multidão.

Batem patas de cavalos.
Suam soldados imóveis.
Na frente dos oratórios,
que vale mais a oração?
Vale a voz do Brigadeiro
sobre o povo e sobre a tropa,
louvando a augusta Rainha,
_já louca e fora do trono_
na sua proclamação.

Ó meio-dia confuso,
ó vinte e um de abril sinistro,
que intrigas de ouro e de sonho
houve em tua formação?
Quem ordena, julga e pune?
Quem é culpado e inocente?
Na mesma cova do tempo
cai o castigo e o perdão.
Morre a tinta das sentenças
e o sangue dos enforcados...

_liras, espadas e cruzes
pura cinza agora são.
na mesma cova as palavras,
o secreto pensamento,
as coroas e os machados,
mentira e verdade estão.

Aqui, além, pelo mundo,
ossos, nomes, letras, poeira...
Onde, os rostos? Onde, as almas?
Nem os herdeiros recordam
rastro nenhum pelo chão.

Ó grandes muros sem eco,
presídios de sal e treva
onde os homens padeceram
sua vasta solidão...

Não choraremos o que houve,
nem os que chorar queremos:
contra rocas de ignorância
rebenta a nossa aflição.

Choramos esse mistério,
esse esquema sobre-humano,
a força, o jogo, o acidente
da indizível conjunção
que ordena vidas e mundos
em pólos inexoráveis
de ruína e de exaltação.

Ó silenciosas vertentes
por onde se precipitam
inexplicáveis torrentes,
por eterna escuridão!

Cecília Meireles
Romanceiro da Inconfidência   

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